quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PARTE VII: OS MÚSICOS COMPOSITORES E A MÚSICA PARA TEATRO

Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri
Juliana: E jazz, você escuta muito?


Edu: Eu escuto muito. Mas o meu contato com o jazz, no início, foi através da bossa nova. Eu não era um ouvinte de jazz antes da bossa nova. A partir da bossa nova, que era influenciada pelo jazz, é que eu fui me ligando.


Kate: Naquela época, quem você mais ouvia de jazz?


Edu: Eu ouvia muito um arranjador que eu acabei conhecendo em Nova York, que teve uma importância fundamental na minha vida: o Gil Evans, que trabalhou com o Miles Davis. Eu fiquei uma época completamente siderado no Gil.. Tem uma história que eu comecei a pensar um dia - até fiquei com vontade de escrever um artigo sobre isso -, que é a dos grandes músicos compositores. Ninguém sabe que eles são compositores, porque eles ficaram muito conhecidos como instrumentistas.
Além do Gil. o Bill Evans, um dos maiores pianistas da história do jazz ,por exemplo, é um extraordinário compositor. Agora, compositor de jazz fica meio limitado pela sua fama de instrumentista; ninguém sabe dele como compositor.
Mas ele tem temas extraordinários, coisas maravilhosas. E são temas que não funcionam com letra, porque são temas instrumentais. Já tem aquela cara de tema instrumental. John Coltrane tem temas lindos, o Miles Davis, o Herbie Hancock o Thelonious Monk, que é um pianista magnífico Aquelas harmonias estranhíssimas, cheias de segundas menores, os clusters, um piano percussivo, uma maneira de tocar... Enfim, um estilista, não é?



Santuza: Gostaria que você falasse sobre a influência do clima político da época (anos 60) na sua obra. Porque você faz parte de uma geração - pós-bossa nova - muito politizada.


Edu: Muito. E para mim foi importantíssimo o convívio com o pessoal do teatro. Começou com o [Gianfrancesco] Guarnieri, com o pessoal do Teatro de Arena, de São Paulo. E aí a minha música começou a tomar uma outra forma também. Quer dizer, eu comecei a aprender a gostar de trabalhar sob pressão . Hoje em dia eu preciso muito desse tipo de trabalho para produzir. Eu preciso de data, preciso de contrato. Quando eu tenho todo o tempo do mundo, eu fico muito perdido. Eu faço uma porção de coisas, mas não consigo me concentrar na composição mesmo. Então, nessa época, eu aprendi muito com essa experiência toda de teatro e com o convívio com pessoas não só de teatro, como de cinema.
Acabei fazendo também música para filmes e participando dos movimentos todos e dos problemas todos, das censuras todas. Eu penso o seguinte: por mais censura que a gente tivesse naquela época - e que não era pouca -, eu acho incomparavelmente menor do que a censura que existe hoje em dia, uma censura velada, uma censura estética, uma censura de indústria.

Mas eu fui para o Teatro de Arena um pouco por causa do Carlinhos [Lyra]; eu conheci o Vianninha [Oduvaldo Vianna Filho] por seu intermédio . E aí sobrou para mim uma peça do Vianna, porque o Carlinhos fazia tudo com o Vianna e eu acho que nesta época êle estava envolvido com outros projetos e assim eu fiquei sendo uma segunda opção. O Vianna então me convidou para musicar a peça que estrearia o Teatro da UNE.


Santuza: Qual era a peça?


Edu: Era uma peça chamada Os Azeredos mais os Benevides. Eu comecei a fazer a trilha, fiz algumas canções. "Chegança" é dessa trilha, a única que sobrou e que eu acabei usando e gravando. Mas em 64 queimaram o teatro e não houve estréia. Mas por causa do Vianninha eu recebi um convite do Guarnieri para ir a São Paulo. Um convite estranho: ele queria que eu fosse para São Paulo, porque ele tinha a idéia de um musical.
Fui para São Paulo, e na casa dele descobri que havia a vontade de trabalhar comigo num musical, sem nome sem tema, sem nada. Então houve um período longo de silêncio (risos), um período barra pesada de silêncio. Aí eu comecei a tocar violão para me livrar daquela situação, comecei a tocar tudo que eu sabia, o que eu não sabia também, até que lembrei de uma canção com o Vinicius que se chamava "Zumbi".
Quando terminei de tocar, surgiu o mote, o embrião. Aí o assunto começou a se desenvolver, houve um alívio geral e a gente começou a discutir a possibilidade de fazer um musical sobre o Zumbi. Viramos a noite conversando e fazendo planos até que as livrarias abrissem. Acabou virando o Arena conta Zumbi. O musical surgiu, portanto, da música com o Vinicius, que já estava pronta.



Santuza: Você fez outros trabalhos com o Guarnieri


Edu: Com o Guarnieri fiz, alguns anos depois, uma peça para a Fernanda Montenegro, chamada Marta Saré. Tem a canção "Memórias de Marta Saré".


Santuza: Agora, esse momento de trabalho com o Guarnieri foi um momento de muita politização, ligada ao CPC da UNE. Você se envolveu com a política, na época, com o CPC, ou ficou mais de lado, participando de maneira mais indireta?


Edu: Mais indiretamente, quer dizer, sob o ponto de vista profissional eu estava sempre com eles, estava sempre com o pessoal de teatro, de cinema, enfim, essas coisas todas que aconteciam na época. E os meus amigos eram muito de cinema e teatro.


Santuza: E todo mundo era muito politizado.


Edu: Todo mundo muito politizado. Eu acho que isso teve uma importância muito grande na música que eu estava fazendo. E eles eram mais ligados neste tipo de música, muito mais do que um tipo de pessoa ligada a uma bossa nova mais ortodoxa, que achava que não tinha que misturar com o Nordeste, que a bossa nova era meio intocável. Nessa época, eu fui percebendo que o Carlinhos [Lyra] começou a misturar um pouco o seu trabalhos com os sambas do Zé Kéti,do Cartola, do Nelson Cavaquinho.
Havia também umas reuniões em que o João do Vale aparecia na casa da Nara. O Sérgio Ricardo já estava fazendo também umas coisas assim. Estava se ouvindo mais o Caymmi do que antes. Então eu fui percebendo que não era bem isso de manter a pureza da bossa nova, que o Brasil era muito grande e a gente não tinha que fazer uma música só do Rio de Janeiro, era preciso fazer música do Brasil inteiro, quer dizer, utilizar os ritmos, as escalas e as melodias do Brasil inteiro.



Santuza: Incorporando à harmonia da bossa nova.


Edu: Todo o aprendizado que se teve na bossa nova