quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PARTE X: O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO, ANTES E DEPOIS DO PIANO

Santuza: Se você fosse classificar as suas composições - se é que é possível -, que tipo de composição você acha que faz? Porque você tem músicas mais intimistas e ultra-sofisticadas, como Pra dizer adeus, que tem uma harmonia belíssima, assim como tem músicas muito diferentes, com ritmos nordestinos. Eu queria que você me falasse dessa diversidade, porque eu acho que o que torna o seu trabalho muito rico é exatamente esse ecletismo que você tem, essa variedade, desde as composições como Marta Saré até coisas mais intimistas, como Pra dizer adeus.


Edu: Se você comparar com Pra dizer adeus, Marta Saré é uma música impressionista. Pra Dizer Adeus é uma música quase que tipicamente bossa-nova. Como é que eu classificaria a minha música? Acho que é uma música popular, isso não tenho a menor dúvida. Não é uma música de raízes eruditas, mas eu acho que com o tempo, talvez pelo fato de eu observar tanto , estudar e ficar ouvindo, evidentemente que a música vai sofrendo influência de alguma maneira. Quer dizer, o processo de composição vai sofrendo influência. Acho que houve uma mudança muito grande na minha música quando eu passei a compor no piano. Não é uma mudança clara demais, não significa que se tornou uma música completamente diferente não, mas que ela é mais elaborada sobre o ponto de vista da melodia e da harmonia. Porque compor no piano é completamente diferente de compor no violão.


Kate: Quando você começou a estudar piano?


Edu: Eu não estudei piano. Eu fui colocando a mão no piano, assim, aos poucos. Aconteceu de forma não premeditada, porque a partir, eu acho, do começo dos anos oitenta, eu comecei a perceber que estava dependendo cada vez mais do piano para compor.


Kate: E a tua música mudou em função do piano?


Edu: Muito, mas muito! Mas não foi também uma coisa programada não, foi vindo assim... Eu só fazia música no violão, e aí, não sei, de ficar tocando, de ficar experimentando alguma coisa, fui cada vez mais me interessando pelo piano. A música ficava mais rica. Quando eu passei para o piano e comecei realmente a compor, aí te dou exemplos: "Beatriz" é música de piano, "Choro bandido" é música de piano, "Valsa brasileira" é música de piano, muitas do Circo Místico. Mesmo as que eu começo no violão, o acabamento final é feito no piano. E tem uma razão muito simples para isso: quando eu componho no violão - acho que todo mundo faz isso -, eu componho cantando. Então, a minha voz determina a melodia. Se por um lado isso é legal, porque vai resultar em melodias mais intuitivas, mais populares, por outro lado, quando você compõe no piano, pode escolher notas melhores., que não dependam da tua voz, da tua extensão vocal.


Santuza: Então, o fato de você utilizar um ou outro instrumento altera muito o processo de composição.


Edu: Totalmente, porque você faz o acorde e aí você canta uma nota, mas o dedo escolhe uma outra. E o cérebro registra e escolhe o que ele prefere. Agora, a voz é limitada. É muito mais no sentido harmônico mesmo, entendeu? Se eu fosse um cantor de jazz talvez fosse diferente. O cantor de jazz tem a habilidade para improviso, pode até cantar como o instrumento toca. Mas eu não sou um cantor de jazz, então eu fico limitado ao meu desejo, limitado à minha voz, quer dizer, à minha composição vocal. Sou eu que estou cantando, então eu canto uma coisa mais intuitiva. Se eu cantar o início da "Beatriz", que é (cantarola): "Olha, será que ela é moça..." Esse intervalo eu não faria cantando. Porque é uma sétima maior, que você não faz intuitivamente. O que não quer dizer que seja artificial, mas que ele é mais interessante do que se fosse uma sétima "normal". Heloisa: E são músicas mais difíceis de cantar. Você tem que ser cantor, porque "Beatriz" é um grande exercício vocal.


Edu: É uma música com uma extensão muito grande.


Juliana: O Milton é que tem que cantar, não é?


Edu: É, ela tinha quer ser feita dessa maneira mesmo e tinha que ter sido gravada pelo Milton.