domingo, 5 de dezembro de 2010

PARTE XV: FINAL - OS MOVIMENTOS PÓS-BOSSA NOVA

Tom Jobim e Edu Lobo


Santuza: E como você vê a tropicália?


Edu: Eu acho que essa preocupação formal que existia na bossa nova não existia no tropicalismo. Era uma outra coisa. Era mais um happening , uma atitude dadaísta de certa forma. Bom, tem muitas coisas que eu discordo e isso já foi falado várias vezes também. Eu não gosto de tudo, gosto de muitas coisas e não gosto de todas. Eu não gosto sobretudo de uma certa tendência a ter que gostar de tudo, que era uma coisa que me parecia uma espécie de dogma do tropicalismo.
Mas eu sou um compositor, não sou crítico de música.



Silvio: E qual seria, na sua opinião, o grande mérito do tropicalismo?


Edu: Na verdade quando explodiu a história do tropicalismo, eu estava bem mais interessado no que estava acontecendo no Clube da Esquina. E acho que é um equívoco o fato de que, quando se fala de música aqui, de uma maneira geral, dos movimentos, fica sempre bossa nova, tropicalismo... Não é bem assim, tem várias nuances. E uma delas, como movimento organizado e que tinha uma forma definida e novas idéias musicais, foi com certeza o Clube da Esquina.
Esse movimento importantíssimo dos mineiros foi mais um grande desenvolvimento da bossa nova, bem parecido com a bossa nova, de certa maneira, porque tinha uma preocupação harmônica muito grande. Quer dizer, novidades harmônicas aconteceram ali. E novidades de canto: aí tinha o Milton Nascimento cantando de um jeito que ninguém cantava, letras interessantes, compositores extraordinários, como o Toninho Horta, o próprio Milton, Nelson Angelo, Beto Guedes, depois o Lô Borges enfim, um pessoal de altíssima qualidade.
E mais os músicos todos mineiros que vieram junto: os instrumentistas, como Wagner Tiso, Luís Alves , Helvius Vilella , Nivaldo Ornellas... Eles eram grandes músicos e faziam uma espécie de música progressiva, assim pós-bossa nova, e eu estava muito interessado neles nessa época, muito mesmo.



Juliana: Você acha que eles incorporaram a bossa nova também?


Edu: Também. Era uma coisa nova para mim. Sob o ponto de vista formal, eu estava mais interessado no Clube da Esquina do que no tropicalismo. E a diferença para mim é tão clara: a bossa nova criou um gênero mesmo, quer dizer, mexeu na forma, na poesia, no canto, não sei o quê lá. Eu acho complicado dizer assim: "Essa canção é tropicalista e essa não é." Eu posso dizer: "Essa é uma canção de Caetano", que tem a ver com toda a obra do Caetano, que eu adoro, que sempre foi genial. Agora, o que eu vejo como mudança formal... Eu posso lembrar das orquestrações, que eram muito interessantes, era uma coisa meio George Martin, do Júlio Medaglia, do Rogério Duprat, do Damiano Cozzela, eram os três que faziam. Era coisa bem na onda assim do Sergeant Pepper dos Beatles, que incorporava ruídos, e isso me interessou muito... E essa mistura, essa possibilidade de mistura. Agora, haviam coisas que eu realmente não concordava e prefiro não ficar discutindo sobre elas.


Santuza: Mas você gosta da estética deles?


Edu: Eu gosto do que eles fazem, sempre gostei. Sempre me interessei pelo canto, pelo tipo de letra, pela maneira de tocar o violão: o mais simples, que é o do Caetano, ou mais elaborado, como é o do Gil.


Kate: Isso é interessante, porque embora sempre se fale no movimento da bossa nova, ela, no meu entender, não era um movimento. O tropicalismo, que era um movimento, você não consegue dizer que essa é uma música tropicalista.


Santuza: Eu discordo de vocês, porque eu acho que naquele momento inicial do tropicalismo existia uma música tropicalista.


Edu: Como? Seria como?


Santuza: Uma música mais programática, digamos. Baby, por exemplo, diz tudo, no tipo de arranjo que se faz, na letra...


Edu: Mas isso não criou um gênero na verdade. Eu vejo mais como se fosse um happening. Eu vejo mesmo assim, como se fosse um movimento de pintura, como o dadaísmo. Você mexe com uma porção de coisas. É lógico que tem gente de talento no meio, mas não vai ficar só ali... Como não ficou, eles não ficaram só ali.


Santuza: Eu acho que aquela música do Caetano, Saudosismo, é uma música bem programática. Nela, ele cita o João Gilberto: "é que aprendemos com João/ pra sempre a ser desafinados".


Edu: Certo, tem um programa, e tem uma estratégia também.


Santuza: É. Como todo movimento, o tropicalismo tem uma estratégia.


Edu: Como todo movimento, tem uma estratégia. Não, aí eu discordo de você, eu acho que a bossa nova não tinha estratégia nenhuma.


Santuza: A bossa nova não foi um movimento nesse sentido.


Edu: A bossa nova não foi um movimento?


Santuza: Eu acho que não.


Daniel: A bossa nova é um estilo.


Juliana: Não no sentido de movimento que a gente está falando, como uma coisa planejada...


Santuza: Você tem um programa, tem um projeto...


Edu: Mas foi uma coisa que foi acontecendo, foi se tornando um movimento, porque foi transformando tudo. Não é um movimento?


Juliana: Não tinha um programa. Não estou falando nem que é melhor ou pior...


Santuza: São coisas diferentes.


Juliana: A bossa nova foi um processo mais intuitivo.


Edu: Tudo bem. Eu tenho mais afinidade com uma coisa dessa maneira, mais intuitiva, de descoberta estética, sem considerar muito o mercado. Talvez eu tenha sido formado dessa maneira.


Santuza: Eu estou falando a partir do meu ranço sociológico, do sociólogo que define o que é um estilo, o que é um movimento... (risos)


Edu: Eu acho que uma coisa interessante, por exemplo, e que a gente rejeitava profundamente, foi considerar o mercado como uma coisa viva. Não adianta você negar o mercado, então vamos ter que partir para ele de alguma maneira. Eu fui formado exatamente ao contrário. Mas a tropicália tinha uma estratégia, e eu sou a pessoa que menos sabe lidar com estratégia no mundo, eu sou o anti-estrategista por natureza.


Santuza: E são concepções diferentes também, não é?


Edu: Concepções diferentes, vidas diferentes e temperamentos diferentes. Eu continuo discordando das mesmas coisas que eu discordava na época, coisas que eu não conseguia absorver ou até acreditar.


Santuza: Da plataforma?


Edu: Não, o gostar de certo tipo de música .


Juliana: E a questão da música, por exemplo, dos Mutantes, da música eletrônica, da guitarra sendo incorporada, como é que você viu isso?


Edu: Eu achei isso super interessante. Eu gostava bastante dos Mutantes, principalmente do Serginho, que tocava guitarra. Mas eu não me lembro da guitarra ser proibida na musica popular. Por exemplo, o Quarteto Novo - do Hermeto [Paschoal], do Theo [de Barros] do Airto Moreira, nesse mesmo ano de 67, tinha viola caipira e o Heraldo do Monte tocava guitarra. Eles começaram em 66, eu soube deles em São Paulo e acabei fazendo o "Ponteio" com eles. Mas não era guitarra de rock, era guitarra de um outro jeito. Eu acho que preconceito com instrumento, isso não deve existir...Não existe o mau instrumento o que pode existir é o mau uso que se possa fazer deste instrumento.


Juliana: Inclusive é difícil, depois dos Beatles. Porque é muito interessante essa incorporação que eles fizeram de vários instrumentos, principalmente com o Sergeant Pepper.


Santuza: Eles começam a se abrir para a música oriental, para a música indiana.


Edu: Não existe proibição para instrumento nenhum; a maneira de tocar é que importa. Não adianta você tocar igual ao Eric Clapton, ele tem o som dele, que tem a ver com o mundo dele, com a formação musical dele. Não adianta copia-lo, porque aí você vira uma sombra, um clone sem graça, principalmente se você é brasileiro e tem tantas possibilidades aqui. Eu acredito nisso sempre. O que é que vai mais para o mundo daqui? O que é que é mais gravado lá? São as coisas feitas aqui que têm um sentido brasileiro mais forte, desde o Villa ao Tom, muito mais do que uma música pop brasileira parecida com a pop de lá. Vai o Piazzolla e não o pop argentino. O pop clonado eles não querem, eles têm o original ,eles não compram o que eles têm. É a lei do mercado: você quer e compra o que você não tem.


Juliana: E eles fazem pop como ninguém também.


Edu: Fazem melhor.


Santuza: Agora, eu acho que tem uma tradição no rock brasileiro de fazer uma coisa muito criativa, de fazer um rock brasileiro.


Edu: Com certeza, mas com certeza! Mas isso não é proibido, o gênero não é proibido. Mas quem sabe esse rock brasileiro vai ter um outro nome, vai deixar de se chamar rock?


HeloHeloísa: Quando o Pepeu usa a guitarra no som dos Novos Baianos, por exemplo, não tem nada mais brasileiro do que aquilo.


Santuza: Mas, finalizando, você poderia dizer mais alguma coisa sobre a bossa nova?


Edu: Eu acho que se não tivesse existido esse movimento - que você não chama de "movimento" - esse evento, esse evento longo... (risos)


Santuza: Esse "fenômeno". (risos)


Edu: Esse "fenômeno", certo. Sem esse "fenômeno", esse vulcão, a gente estaria em um momento completamente diferente aqui no Brasil; com certeza, a gente estaria há anos atrás.