sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

"GOSTARIA DE TER COMPOSTO TODO O CANCIONEIRO DE TOM"

Como muitos de sua geração, Edu Lobo foi impactado fortemente quando escutou, pela primeira vez, a histórica gravação de Chega de Saudade por João Gilberto (em 1959). Estava em Recife, cidade de seu pai, o compositor Fernando Lobo, e cenário de muitas férias escolares do adolescente carioca, então com apenas dezesseis aninhos.

Edu, que seria revelado anos mais tarde e viria a influenciar seus contemporâneos e futuras levas de artistas brasileiros, lembra a incrível novidade que aquela música representava: um novo jeito de cantar e de tocar violão, de compor música e escrever letra. Parceiro de Tom Jobim (e de Vinicius de Morais, e de Chico, Gianfrancesco Guarnieri, Torquato Neto...), ele também tem nele seu ''''maestro soberano''''. Queria ter composto todo seu cancioneiro. Assim como o de Gershwin e de Cole Porter. Como o mestre, ouviu muito Debussy, Ravel e Villa-lobos - e aprendeu muito com eles (aprende até hoje).

Aos 64 anos, o compositor de Ponteio (com Capinan), Arrastão (com Vinicius) e Beatriz (com Chico) lançou recentemente o DVD Vento Bravo, que contém um show seu no Mistura Fina e um belo documentário das jornalistas Regina Zappa e Beatriz Thielmann. No filme, ele conta um pouco de sua vida e causos em torno de algumas de suas canções e seus amigos reafirmam sua importância para a MPB.


Qual disco ou música mudou sua maneira de ver o mundo?

Chega de Saudade, que eu ouvi pela primeira vez em Recife. O primeiro disco do João Gilberto foi realmente um susto de tanta novidade. Não só pelo canto e o violão dele, mas pela música do Tom Jobim e a letra do Vinicius de Moraes. Era muita coisa ao mesmo tempo: um tipo de música que não se fazia, com um arranjo e um canto que também ninguém fazia.

Que artista, intérprete ou compositor, mais influenciou sua carreira?

São milhares. Em música popular, Tom Jobim. E tem os compositores clássicos, com quem sempre aprendo alguma coisa: Debussy, Ravel, Bartók, Villa-Lobos.

Que obra (CD, composição) você detestou à primeira vista e passou a venerar mais tarde?

Não digo que detestei. Mas a primeira audição da Sagração da Primavera, do Stravinski, me deixou confuso, porque era muita informação junta. É muito bom quando você percebe que o problema está em você, e não no que você está ouvindo.

Que música de outro autor você gostaria de ter composto?

Do Tom Jobim, tudo. E o mesmo vale para Gershwin, para Cole Porter.

Qual disco fez você passar uma noite em claro, analisando o que tinha ouvido?

Não fico analisando, não sou um cientista da música, não faço isso. Mas, por exemplo, já pensei muito sobre o mistério da Billie Holiday. Por que ela canta melhor do que os outros? Descobri que é porque ela canta pra valer, porque tudo nela é verdadeiro. Talvez seja um princípio da loucura, no ótimo sentido.

Qual foi o show que mais marcou sua vida?

O show da bossa nova no Au Bon Gourmet (em 1962), com Tom, Vinicius, João Gilberto e os Cariocas. Eu tinha 17 anos e aquilo me impressionou demais.

Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?

De vez em quando acontece de eu reler algum livro. Agora, por acaso, estou relendo O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger. Eu tenho gostado mais dele, acho que essa é a quarta vez que o leio.

Existe algum autor como o qual você jamais perderia seu tempo?

Muitos, mas é claro que eu não vou citar. Provavelmente, eles não iriam perder o tempo deles comigo também...

Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.

Os livros de Monteiro Lobato. Quando você lê hoje, percebe que ele escrevia melhor do que você pensava. Eu lia direto, teve uma época em que eu era viciado em Monteiro Lobato. Depois, também li tudo da Agatha Christie.


Fonte: Estadão, Domingo, 16 de Setembro de 2007