Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 1965

A letra
Desde que foi cantada em São Paulo, já havia uma nitida convicção de que "Arrastão" iria ser a vencedora. Elis Regina interpretou-a com uma força impressionante, acompanhando cada frase com o seu caracteristico movimentar-se de ombros e braços, dir-se-ia ela propria puxando um arrastão do mar, ajudada por Santa Barbara, Iemanjá e quantas divindades ela evoca na letra de Vinicius, que é a seguinte:
"He, tem jangada no mar,
He, hoje tem arrastão,
He, todo mundo pescar.
J'ouviu?
Olha o arrastão entrando no mar sem fim,
He, meu irmão, me traz Iemanjá pra mim.
Nhá Santa Barbara,
me abençoai,
Quero me casar com Janaina.
He, puxa bem devagar,
He, já vem vindo o arrastão,
He, é a rainha do mar.
Vem, vem na rede João, pra mim...
Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim,
Nunca, jamais, se viu tanto peixe assim."
Segundo não convenceu
Se o primeiro lugar de Edu e Vinicius foi recebido com o maior entusiasmo, sem nenhuma discordancia, nem do juri, nem do publico, o mesmo não se deu com a segunda classificação, de Baden e do poeta, que, desta maneira, cercou o bicho por todos os lados. A musica foi considerada mediocre. Muita gente perguntava-se a razão da premiação, e só a viu na interpretação dessa magistral cantora que é Elizete Cardoso. Para muitos a famosa dupla nunca fez musica tão insossa e sem graça, tanto na melodia quanto na letra. Esperava o publico que, em lugar dela, fosse classificada a canção "Por Quem Morrer de Amor", de Ronaldo Boscoli e Roberto Menescal, cantada excelentemente por Peri Ribeiro. Dois membros do juri nos diziam depois que a desclassificação fôra devida a uma parte da letra que tem uma incongruencia: "Só vive quem já morreu de amor". Ora, quem já morreu, mesmo de amor, não pode evidentemente viver. Os terceiro e quarto lugares tambem foram bem recebidos. Mas em lugar da musica cantada por Simonal, que entrou em quinto, todo mundo esperava que fosse "Carnaval", de Chico Buarque de Holanda, defendida por Geraldo Vandré. Tambem causou estranheza não entrar "Jangadeiro", de João do Vale, cantada por Catulo de Paula. É curioso, pois ela era, juntamente com "Arrastão", uma das favoritas ao primeiro lugar.
Simonal não gostou
Simonal não ficou satisfeito com o resultado do Festival. Tanto não ficou que na hora em que Bibi Ferreira chamou ao palco os cinco premiados, Simonal recusou-se a comparecer. Simonal tem um ponto de vista muito pessoal. Justificou seu descontentamento com o resultado dizendo que "Arrastão" não podia ganhar porque não era musica popular e o concurso era desse tipo de musica. "Arrastão" para ele é regional e, sendo assim, não podia entrar num concurso cujas vencedoras devem ser entendidas do Oiapoc ao Chuí. Coisas de artista.
Na casa de Vinicius
Logo que acabou de receber os cumprimentos, Elis Regina foi para a casa de Vinicius, que ficou assistindo ao desenrolar do certame pela televisão. O poeta estava cercado por um clã de artistas e de gente jovem, entre mil e um copos de uisque, naturalmente. Edu Lobo, seu parceiro, encontrava-se aí em São Paulo, ultimando os preparativos para a estréia de "Zumbi, Rei dos Palmares". Não foi possível ao poeta localizá-lo para a comunicação de que os dois se tinham tornado milionarios da noite para o dia. Da noite para o dia é figura, porque "Arrastão" foi feita em apenas dez minutos de encontro entre os dois.
Positivo
Apesar de muitas falhas de organização, do comportamento tendencioso de alguns membros do juri, o I Festival Nacional da Musica Popular Brasileira foi dos mais positivos. Pela primeira vez firmas comerciais resolveram inverter parte de suas verbas de propaganda numa promoção que premia o esforço de compositores populares, e até, se bem encaminhada, projetará o Brasil no exterior. Vamos partir agora para o proximo, esperando que o povo se interesse por ele, já que é sua alma e sua poesia que estão em jogo.