Jornalista

[...]a gravadora Biscoito Fino lançou o DVD Vento Forte, registro do mais recente show de Edu Lobo no Rio (realizado no início de 2005, no Mistura Fina) acoplado a um documentário sobre o compositor de Upa Neguinho, Preciso Aprender a ser Só, Choro Bandido e tantas outras canções indispensáveis. É uma preciosidade em todos os sentidos. Afinal, embora tenha mais de 40 anos de carreira, Edu Lobo só lançou um disco ao vivo até hoje, Reencontro, no remoto 1966, e não tinha ainda um DVD com show e informações sobre sua carreira. Esse documento chega ao público por iniciativa das jornalistas Regina Zappa e Beatriz Thielman, associadas ao fotógrafo e diretor Walter Carvalho.
Num tempo em que todo artista grava DVDs, Edu Lobo não acha que pega a onda atrasado. “Não tenho esta sensação. Dependo de quem me convida e do tipo de produção. Já conhecia Regina e Beatriz há muitos anos e admiro o trabalho do Walter Carvalho no cinema”, comentou o compositor na época das gravações. O documentário não é cronológico ou linear. Ele conduz a narrativa, mas evitou determinar o conteúdo. “Tudo decorreu de conversas, mas a decisão foi delas.” Depois das gravações, ele não se envolveu mais na produção. “Funciono como isca e gostei porque a equipe me deixou à vontade.”
Edu Lobo ficar ao largo da onda de DVDs não espanta, pelo contrário. Desde Arrastão e Ponteio, canções que o tornaram popular nos anos 60, ele abre caminhos e todo mundo vai atrás. É o que diz Chico Buarque na entrevista que dá ao lado do amigo e parceiro, no documentário de 70 minutos do DVD. Chico conta que, até ouvir as já citadas canções, pensava tornar-se compositor profissional, fazia suas “musiquinhas” (sic), mas não conseguia sair do modelo da Bossa Nova. Edu apontou o caminho. No mesmo documentário Nelson Motta e Tarik de Souza explicitam. Segundo os dois, ele juntou Bossa Nova e música regional para criar o que viria a se chamar MPB, sigla que queria dizer música popular brasileira e identificava composições de jovens de classe média influenciados pela cultura do povão. Depois de Edu, vieram Chico Caetano Veloso, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento etc, não necessariamente na sua trilha, mas pela porteira aberta por ele.
O documentário deixa isso claro, seja na conversa de Dori Caymmi e Marcos Vale com Edu Lobo, seja nos depoimentos de Maria Bethânia (que resume tudo ao dizer que o público gosta de Edu Lobo porque é inteligente), Wagner Tiso e muitos outros. Mas tem muito mais. É comovente ver o carinho do compositor com Gianfrancesco Guarnieri, que o levou para o teatro, quando o convidou para musicar a peça Arena Conta Zumbi (de onde saiu Upa, Neguinho!). É delicioso ver Edu Lobo, lindo, com cara de menino cantando Cordão da Saideira (e contando que compôs o frevo em Paris, morrendo de saudades de casa) ou a apresentação de Ponteio vencendo o festival da Record de 1967. Hermeto na flauta de cabelo escovinha e o modelito fashion (hoje e na época) de Marília Medaglia, que cantou a música com o autor. Sua surpresa ao ouvir a voz do pai, o compositor Fernando Lobo, numa música que desconhecia também encanta, assim como seu espanto ao se ver jovem nos muitos vídeos que Beatriz e Regina reuniram.
O registro do show é um caso à parte. Beatriz e Regina contam que entusiasmado, ele fez uma récita só para suas câmeras. O melhor é que ninguém inventa efeitos na edição. Os dedilhados de Edu ao violão estão lá o tempo todo, para encantar o leigo e para o leigo aprender quais são seus acordes. Alias, nesse sentido, Edu Lobo ensina muito sobre música no documentário. Ele conta, por exemplo, que ser convidado a fazer trilhas para teatro e cinema o instiga a compor e diz qual é, na sua opinião, a função da música em cena. Mais adiante, quando fala da influência que sofreu de Baden Powell, faz uma versão totalmente inovadora de Berimbau.
Edu contou que não quis determinar nada do roteiro do documentário, que o levou o levou também a Recife, cidade Natal de seus pais, onde ele viu Lia de Itamaracá dançar ciranda. Muito à vontade, cantou algumas de suas músicas à capella, diante da paisagem de suas férias da infância e adolescência e que influencia sua obra até hoje. Amigos como Joyce, Nelson Motta, Zuza Homem de Melo, Chiquinho de Moraes e Bebeto do Tamba Trio também falam. “Ainda tenho contato com algumas daquelas que estão lá, mas foi bom revê-los diante desta equipe”, contou Edu. “Até o Walter Carvalho, embora diretor de fotografia, fazia perguntas que ajudaram muito.”
De início, Vento Bravo teve 2.000 cópias distribuídas em escolas de música e bibliotecas públicas, pois seu orçamento de R$ 500 mil foi bancado pela Petrobrás. O sonho de Beatriz, Regina e Walter Carvalho é lançá-lo nos cinemas, mas Edu Lobo, como é de seu feitio, não se apressa nem tem expectativas quando à carreira comercial do DVD, embora tenha se emocionado quando viu o trabalho pela primeira vez, no fim do ano passado. “Fiquei muito feliz porque o resultado expressa carinho comigo e com minha música. Elas escolheram muito bem quem entrevistar e o que cada pessoa diz. Não me senti exposto em nenhum momento, pelo contrário, só um respeito muito grande”, elogiou Edu na época. “Achei muito engraçado ver minha imagem há 20, 30, 40 anos. A gente muda de cara, não tem jeito, envelhece. Mas o principal é que no telão, a música e a imagem cresceram. Fiquei muito satisfeito com tudo.”
Para quem gosta da música, Vento Bravo é um presente. Afinal Edu Lobo é figura bissexta no showbiz brasileiro. Em 40 anos de carreira tem 24 discos (que nunca saem de catálogo) e raramente faz shows. “Minha profissão é de compositor, cantor é que precisa fazer show sempre. Eu só subo no palco se achar que tenho algo interessante a mostrar”, explica ele, que tocou na Europa no ano passado, mas não voltou mais aos palcos cariocas depois do Mistura Fina, a não com a Orquestra Petrobrás Sinfônica em sua homenagem dentro da série OPPMpb Jazz, de Wagner Tiso. “Hoje em dia até gosto de me apresentar em público, mas houve época que achava chato estar em lugares que não me interessavam, tocando com um som que deixava a desejar. Mas se valer à pena, claro que vou.” Vento Bravo é o registro de desses momentos.
Fonte: http://www.iccacultural.com.br/eduLoboCD.asp